Resenha de "Poemas para o coveiro", de Fernando Sales (2018) - por José Luiz Foureaux (PhD em Literatura)
Resenha de "Poemas para o coveiro", de Fernando Sales (2018) - por José Luiz Foureaux (PhD em Literatura)
Um: o autor foi meu aluno e, se não me engano, chegou a fazer inciativa científica sob a minha orientação (não tenho certeza disso!). Dois: li sobre o livro na página do autor e fui mordido pela mosca da curiosidade – comprei-o. Três: gostei do conteúdo. Quatro: gosto de escrever sobre quem começa, apesar de morrer de medo de não ser compreendido sobre o que digo. Cinco: trata-se de autor iniciante sobre o qual jamais falei, nos termos em que o farei aqui. Seis: ah… deixa pra lá. Bom, pra começo de conversa, devo dizer que não sou obrigado a elogiar nada, a priori, só por ter mantido algum tipo de contato/relação com o ator. Por isso, começo com uma negativa: não gostei nada da diagramação do livro. Desmerece muitos dos poemas, prejudica, em alguns casos, a subliminar proposta estética que se depreende dos textos que ali estão encerrados. Depois de ler o livro, vi uma entrevista que Fernando fez com o coveiro que, pelo que entendi, foi o motivador da composição do volume. Como soe acontecer – e aqui não vai nenhuma intenção pejorativa, pelo contrário… – os poemas são irregulares. Há que considerar que esta afirmativa está respaldada pelos efeitos da “minha” leitura, o que pode, obviamente não coincidir com outras alheias… Os poemas, em alguns casos, carecem de revisão, sobretudo no que diz respeito a um aspecto que muito me incomoda, a rima. A cada dia que passa, ando mais avesso a ela. Não a considero inimiga pública número um do fazer poético, mas para iniciantes, como eu, em alguns casos, ela pode ser abolida como oportunidade que se abre para o desenvolvimento da coreografia vocabular que o poético exige como expressão. Neste caso, a preocupação com a rima pode ser um desserviço (Isto pode ser matéria para outras considerações). Os poemas falam de morte, de vida, de tempo, de melancolia, de medo, de apreensões, de constatações que beiram o niilismo. O reflexo eu se lê, faz jus ao que se ouve na entrevista (https://www.facebook.com/terradomandu/videos/652620288449678/UzpfSTEwMDAwMDA1NzAwOTU3MToyMzQ1NDEwMzc1NDcwODQw/) a que me referi. Salvo engano, a última estrofe do poema intitulado “No meu tempo”, diz: No espetáculo da Existência / Ninguém me disse o que fazer / Nesse breve intervalo / Em que as cortinas / Já subiram / E uma hora vão descer. A percepção da passagem do tempo e da impossibilidade de se abarcar todo o seu sentido, é percebida na sequência dos versos desta estrofe. Do terceiro ao quinto versos, a métrica diminuta faz representar o movimento da cortina que desce no palco, em ritmo cadenciado, até que chega ao piso de uma só vez, como na extensão do ultimo verso em sua sonoridade que ecoa o verbo “fazer”, no segundo verso. Outro poema que demora a verve filosófica que alimenta o fazer poético de Fernando é o que se chama “Amor”: Quando o real e o sonho se tocam / Sem que um destrua a realidade do outro”. O que poderia ser uma comparação banal e desgastada pela obviedade, ganha colorido mais instigante por conta da inserção do sintagma “realidade” que materializa a experiência amorosa que não prescinde de uma realidade da qual, com honrosas exceções se quer escapas a experiência amorosa, como no Romantismo – esta, por sua vez, matriz genética que produz os cromossomas poéticos que se podem ler aqui e ali no livro de Fernando. Ouso afirmar, neste breve e superficial comentário, que alguma memória da Literatura Portuguesa – disciplina que definiu meu perfil profissional na universidade em que Fernando se graduou em Letras – é percebida em dois momentos, mais explícitos do livro. Um está no poema sem título que diz: “Sou a reminiscência / da distância, / desando de mim.”. Outro, no poema, igualmente sem título que diz: “Todos os dias tateio no escuro / As paredes do labirinto / Da identidade que não sinto”. O segundo demonstra mais amadurecimento de ideia, mais elaboração personalíssima do poeta, quando, em seus versos, leio ecos do tresandar “existencialista” que se percebe em Sá de Miranda e em Mário de Sá-Carneiro e, para completar, em alguns sonetos de Camões. O primeiro destes dois parece-me mais explícito nesta relação intertextual que mito convém ao espírito multifacetado de elucubrações que os poemas propõem, em seu conjunto. O livro de Fernando é um convite ao pensamento, ao degustar de ideias e de possibilidades de compreensão da existência, do amor e da morte. O futuro a Deus pertence, diz o adagiário. Fernando Sales está imerso neste futuro.
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