Se perdeu as publicações anteriores, clique no link para acessá-las:
(Na
publicação, falávamos sobre como Esníguio enriqueceu com o mercado de
alisamentos capilares).
Foi, é preciso
que se reforce, através dessa prática que Esníguio conseguiu toda sua fortuna,
o seu Everleste de cédulas, o seu Saiara de pedras preciosas, suas
pilhas-recarregáveis-de-ouro, sua ideologia capetalcentrista, sua verba
ingastável e até mesmo sua inigualável assistente. Ser o melhor numa profissão
tão importante como aquela era ocupar a posição de maior estatos entre os escravos-da-mídia, os reinodistânticos.
Um de seus hábitos mais banais era fumar cigarros enrolados em notas de
dez pólares e de cinqüenta auros; Tarja o olhava torto sempre que fazia isso.
Outro sacrocostume seu era colecionar óculos e sapatos, de modo a adquirir um a
cada turno do dia, e de madrugada ainda roubar os dos mendigos; Tarja doava
semanal e secretamente metade das aquisições aos excluídos da política-do-calçado.
Era o rei dos aniversários de cachorro e certa vez deu de presente a um deles
um helicóptero da Segunda Guerra Outonal; sua assistente conseguia
inevitavelmente convidar crianças aniversariantes para os mesmos aniversários,
diminuindo o sentido absurdo da caninolatria.
João Martins! Não tape os olhos, não se esconda atrás de Sofia, sua
bela e agreste esposa! Esníguio poderia, se quisesse, comprar sozinho a água
doce do mundo para colocar em suas piscinas subterrâneas. Tinha submarinos da
Anasa, aviões da Primeira Guerra Hibernada, carros intergalácticos. Mas, apesar
do todo, sentia em si um estranho incômodo, que não era da ordem dos valores
lisocultuadores: sentia-se descontente. Era óbvio que ninguém poderia saber
daquilo, porque no Reino Sub-Imundo a felicidade é uma obrigação, sorrir é um
protocolo e sentir-se mal é como ser, nos tempos antigos, um leproso, do qual todos
se afastavam por trazer consigo uma automutilação contagiosa.
Interrompo. Interrompo porque está diante de nós, atlântidos-público, a
Sociedade do Espetáculo!, também conhecida como Indústria da Bobo-Alegria, onde
os palhaços-plantonistas espalham pelos ares uma falsa felicidade à qual, no
fim das contas, nenhum deles realmente sente.
Prossigo. O primeiro desmotivador para a depressão de Esníguio foi sem
dúvida o mesmo que assola qualquer humano masculino inexperiente ou
inaprendente de qualquer sociedade: as mulheres. Que não gostavam dele, que só
o usavam, que diziam que ele era somente um lustroso ser do por-fora. E chorava
como choram as criancinhas quando perdem no jogo e apanham das mais fortes,
ficando ensangüentadas. Coitadas.
Gustavo, triste era o fardo daquele tolo homem, que não percebia sua
felicidade já encontrada: alisar cabelos, não obstante o estatos e o dinheiro, não o realizava. Esnygyo sentia estranhamente a pequenez
de seu ofício tão importante naquela sua capital tão famosa, Padrid. Ele queria
mais do que as tão desejadas chapinhas, feitas tanto por homens quanto por
mulheres, madames, senhoras, donzelas, mocinhas, adolescentes, pansexuais,
homenzarrões, modelos, crianças, moleques e todos. Queria desistir e
simplesmente deixar seus cabelos crespos ao natural, o tolo, o sempre tolo, o
patetanzil, e queria até mesmo parar de trabalhar em alisamentos...
Página 21

Foto de Esníguio, na intimidade
Parte II – Isto é um mercado?; Do concurso
de beleza lisense, em que quem disputa não são as modelos; Da diferença entre
duas vitórias
Socorro, atlântidos! Os capetalistas-produtores me pressionam de tal
forma com sua Mídia-Atômica, que me vejo obrigado a falar estabanadamente sobre
seus produtos! Comprem, comprem! Logo aqui um Sabonete-de-Gordura-Baleica-Multi-Insaturada,
um Perfume-Importado-Diretamente-da-Pocilga-Melhores-Narinas, um pacote de
Pastilhas-Saliva-do-Leão-para-a-Garganta!
(Ora, Úmero, é óbvio que isto é uma metaironia, é certo que esta
pressão alheia, que em nada me aperta, muito me diverte. No entanto, necessito
afetar certa coação para eles pensarem que exercem sobre mim sua vontade de poder:
faço-me um pseudoescravo, na verdade, por puro sarcasmo. Além do mais, esta é
também, sem dúvida, uma ótima maneira de agradar as lindas moças que nos
circundam: a retrô-estilizada Karen e a bela paranoica Bea).
Pronto, é passado. Justo é dizer que os concursos de beleza do Reino
Sub-Imundo tinham intenções francamente comerciais: comercialíssimos, diria
José Dias, aquele esnobe semiengraçado, inventado por Canivete de Assis ou
Guimarões Cravo, um desses dois derrepentistas fundamentais do povo superior.
Tais eventos eram o maior ponto de divulgação da Propaganda da Desnecessidade, tão venerada por lisenses. Ali surgiam os neolançamentos e os gerilançamentos, de todas as marcas
de gosméticos, xampus, acondicionadores, cremes, pomadas, tratadores-capilares,
pseudotratadores-capilares, odorizadores-de-eructação-e-ventosidade e todos os produtos
mais amados pelas mulheres e tolerados pelos homens.
Nos concursos de capilatria, que logo veremos, minha bela Bea Rodrigues,
minha obcecada pela beleza soberana, vendia-se realmente de tudo, pois esses
funcionavam como uma Porta-da-Esperança para os
criadores-de-produtos-inúteis-e-oportunistas. Seria uma aberração medonha falar
de tudo que ali há... Mas como você, que é a linda Beatriz de um Fernando Sales,
é curiosíssima quanto às tendências ginecocapilares, neste instante delas
falarei ao menos um pouco.
Na seção noturnocultuadora, havia peças íntimas para serem mostradas,
arrancadas ou fagocitadas – quando fosse Carnaval. Na seção música-sem-música,
havia vestimentas para todos os gostos: pedaços de roupa para não-cobrir as
moças que fossem dançar a música-do-corpo; shortículos para não passar calor,
mas para provocar calor; enfim, havia até mesmo uma farrapoteca infinita de
minivestidinhos e microssaículas tão minúsculos quanto chiques e caros para o
caso de as supostas-meretrizes resolverem ir, e ir já preparadas, ao
Forró-Roupa-de-Marca-e-Música-sem-Marca.
Atlântida Karen Winehouse, sua admiradora de homens
desnutridos, já que resolvi adentrar no assunto, reservei para você a apresentação
da seção...
Página 22
CONTINUA...
Na semana que vem, não perca a
segunda parte do Concurso de Beleza Lisense!
Para acessar as outras publicações, clique no link:
Comentários
Postar um comentário