Se você não leu a primeira parte, leia-a antes:
http://professorfernandoletras.blogspot.com.br/2013/10/reino-sub-imundo-da-capa-ate-pagina-8.html
Parte II – Em que fica nítido que o bar é onde a verdade prevalece e as amizades se fazem; do surgimento de Greval, herói de nossa gente, que provavelmente será assassinadoem sua primeira participação
e; o melhor bar do mundo.
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Parte II – Em que fica nítido que o bar é onde a verdade prevalece e as amizades se fazem; do surgimento de Greval, herói de nossa gente, que provavelmente será assassinado
Desanimado com
sua abstinência social, Souropeaux procura agora um bar onde possa tentar uma
integração com Dionísio. Pede, portanto, uma poliquantidade de bebidas e
senta-se em uma mesa mais empoeirada que as estradas de terra de São Ninguém
dos Peregrinos. Na gravação digital, que a todos alicia, o vocalista entorpece
os ouvintes embasbacados ao cantar:
Mãe, acabei de matar um homem:
Coloquei uma arma contra sua cabeça,
Puxei o gatilho e agora ele está morto.
Mãe, a vida mal tinha começado
Mas agora estou perdido e joguei tudo fora
Coloquei uma arma contra sua cabeça,
Puxei o gatilho e agora ele está morto.
Mãe, a vida mal tinha começado
Mas agora estou perdido e joguei tudo fora
Sem dúvida,
amigos atlantes, versos tão líricos apetecem à maioria dos corações tombados.
Não seria sem motivação que Souropeaux começaria ali uma filosofia da morte.
Essa provavelmente seria baseada na idéia de que o suicídio é a salvação dos assassinos
arrependidos; de que a consciência pune mais que as grades, etc. Contudo, foi
impedido por uma voz que lhe salvou de si mesmo:
- Tape os
ouvidos. Não devemos ouvir as pessoas de queixo saliente. São invejosos!
Devemos louvar a vida, sempre, pois a vida é que vale a pena! O queixo quando é
demasiado faz com que as pessoas tornem-se infelizes e cantoras de
música-sem-sorrisos. É capaz de infelicidades tamanhas que só podem ser
comparadas à obesidade crônica na adolescência, à impotência na juventude e à
abstinência sexual eterna das viúvas ou das casadas há décadas, salvo vastas exceções,
inclusive quanto aos queixos!
Sem saber ao
certo de onde surgia aquela voz e aquela teoria estapafúrdia, Souropeaux pensou
consigo: “São os otimistas ridículos; maldito Cândido que um Voltaire criou!” Pensando
isso, não percebia que quem se aproximava não era uma triste figura, como a
sua, mas uma Figura Notável, que passara então invisível aos olhos de todos,
por um fenômeno de peculiaridades ultralisenses: o anonimato lançado às pessoas
originais. Aos nativos, cabia mais o que podemos chamar aqui de “cultura de
massa” ou de “fecalidade intectual”, se quisermos ser exatos; e queremos.
- Tenho ouvido
falar de ti, Souropeaux, um pobre homem infeliz, que não sabe o que é abraçar
uma humanidade inteira.
O
filósofo-de-bar estranhava o estranho a lhe ensinar a vida. Não deveriam os
filósofos ensinar os leigos? Não estariam os papéis invertidos? Não seria ele
próprio, então, um ser-afundado-no-não-viver?
Vá se
acostumando, Bea, a essas parvoíces típicas do nosso aconchegante reino. Você,
minha querida, bem sabe de nossa posição privilegiada, mas nem por isso devemos
deixar de observar os muitas vezes assustadores comportamentos lisenses, pois
este é um livro de aprendizados. Principalmente para nós mesmos.
Na mesa em que
Souropeaux estava, sentou-se pois Greval, dono das mais variadas
características, das quais, no entanto, não falarei. Ou falarei. Falarei.
É inevitável
notar, cara Rodrigues, que nosso herói agiu, ao menos momentaneamente, de modo
muito fingido, posto ser dos maiores admiradores da banda do queixudo vocalista
e também dos queixudos em geral – é que Greval adorava a ambigüidade e a ironia,
tinha fé profunda nelas, e ninguém o entendia bem por isso, já que não conseguiam
saber quando falava sério, e se falava. Esse por sinal era um grande gosto seu.
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No mais, era
alto funcionário da burrocracia reinodistântica: um etnodominador. Suas
principais ocupações ficavam assim expostas em sua sala inacessível à população
comum:
“- Manter a
massa humana na macroignorância e na microvida;
- Cooperar
para a boa organização das ‘perdíveis-de-vista’ filas de hospital;
- Gerir de
modo perfeitamente cínico o dificílimo acesso a informações administrativas;
- Contrafazer
de modo discreto os avanços medicinais que diminuiriam o lucro das polinacionais-empresas-farmacêuticas,
parceiras de nosso Estado Maior;
- Ignorar sistematicamente
os buracos nas estradas e, se necessário, prometer avanços imediatos;
- Organizar o
sistema de doações de cestas básicas somente em vésperas de eleições;
- Prender os
pequenos ladrões;
- Soltar os
grandes, ou mesmo evitar que lhes prendam;
- Animar o
povo a concentrar suas subvidas em rodeios, as novidades da moda e jogos de
axilabol; e
- De modo
geral, executar com primazia todas as funções básicas de qualquer burrocrata
comtiano”.
Agora que
falei o que não deveria ter falado, porque se falasse atrapalharia o
desenvolvimento desta parte, como bem atrapalhei mesmo, volto à mesa onde se
encontram esses já amigos, Souropeaux e Greval.
Como o
filósofo não falava nada, e estavam ali as duas figuras, a triste e a notável,
Greval resolveu, por espontânea simpatia, expor ao neoamigo algumas de suas
atitudes mais notáveis, que, por conseguinte, renderam-lhe o estatos de mau etnodominador:
- Veja bem,
Souropeaux, acredito nas qualidades do povo, e até luto por ele: inventei um
sistema de senhas, para que as pessoas não precisassem mofar e apodrecer lentamente
em filas de hospital até a morte, devoradas pelos fungos-do-descaso; impedi a
corrupção de piche, esse fenômeno tão degradante de nossa sociedade, que se
baseia no asfaltamento de nossas estradas com finas camadas de asfalto abaixo
das quais há lixo hospitalar e orgânico, barateadores natos que são da
construção e enriquecedores fatídicos dos construtores; combati a lavagem de
dinheiro nos tanques, nas máquinas de lavar e até na prefeitura; lutei por uma
escola pública de qualidade, sim, por uma escola pública de qualidade, que
tivesse carteiras para os alunos sentarem, comida para comerem e até mesmo
salário para os professores também poderem comer!; defendi a democracia no voto,
o direito de as pessoas terem arma e se defenderem, já que o Estado não as
defende! Ora, Souropeaux, luto até pelo direito de as pessoas viverem!
Nesse momento,
Caipira, meu parceiro de vodca-poética, os presentes no bar todos param. Um
cidadão até torto de tão inclinado à direita, arranca dois facões do bolso e
começa a cortar melancias ao meio em uma só batida, num fenômeno de proporções
titiquistas transmissíveis em programas do horário nobre. Certamente é um
senador, um desses seres sobrelegais, combatendo os absurdos da corrupção
greválica. A testa de nosso herói inunda-se de suor como alguns bairros periféricos
se inundam após quinze minutos chuvosos... Teme por sua sobrevida e faz um
retromovimento espontâneo. O senador lateja como numa sessão do plenário justa:
inaceitável! É uma típica briga de bar reinodistântica: sem motivo nem
finalidade.
Lucas Salles! Salles!
Acorde, meu parceiro! Nosso herói não pode morrer já, mal pudemos ver o brilho
de sua pele oleosa! Oh sim, era oleosa como a minha a dele! Sorte a nossa, atlântido,
que ele não era bobo nem lerdo e, numa astuta lembrança de São Pedro, negou
três vezes aquilo que tinha defendido como sua vida, dizendo que o cidadão à
direita havia se equivocado, que ele, Greval, na verdade lutava pela subvida
das micropessoas. O politicalhão hesitou, não gostava de parar uma
inútil-briga, mas o rapaz tinha sua certa insanidade. O senador ardia por ceifar
ao menos o insinuante queixo grevalesco: saliente, feio, original. Era pura
inveja! E rápido deu-se um conflito, um raro conflito interno em um adiposo
burgocrata. Porém ele, após alguns segundos, desajeitado, lateralmente guinando
o pescoço como um bêbado ao vento, aos poucos foi desbufando, até se acalmar e
alcançar o centro, nunca a esquerda!
Quase, Úmero,
ficamos sem um dos nossos principais heróis. Por isso lhe digo: as idéias devem
ser abafadas. Ora, caríssimo amigo, não se pode fazer escândalos no Reino
Sub-Imundo. Aqui, saiba logo, há um código de Não-Direitos-do-Povo. E viver, de maneira alguma, pode ser
considerado um direito.
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Passada a
primeira impressão acerca de Greval e Souropeaux, podemos agora deixar nossos
personagens conversando: porque o bar é para alegrias, sempre. Resta-nos, de
momento, ouvir suas primárias (talvez eu tenha querido dizer: primeiras?), mas
interessantes ideias:
- O senador
queria matá-lo – e Souropeaux ria a alegria da política-do-álcool.
- Não fosse
meu bom-humor, poderia mesmo ter morrido.
O filósofo
fez-se de pseudoentendedor e Greval percebeu a necessidade de reexplicar.
- Só quem sabe
rir de si mesmo pode rir dos outros. Eu ri de mim mesmo ao falar que defendia a
subvida de minipessoas. Pensei: como sou covarde e fraco; como consigo de um
momento para o outro negar as coisas que mais defendo?! Fui um inimigo
brilhante de mim mesmo e, ao mesmo tempo, meu salvador!
- Mas devemos
ser sérios, devemos buscar a verdade.
- A verdade é
a ironia, meu caro. Não há o que seja tão sério assim. No fim, tudo pode ser
resumido em uma grande piada – que somos nós mesmos. Mais que a ironia, a
autoironia deve ser nosso darma.
A verdade é a
ironia. Está aí algo que Souropeaux certamente não havia pensado. Ele, ao mesmo
tempo em que estranhou, quis saber mais. E o querer saber mais, meus amigos,
meus louváveis amigos, todos já sabem o que significa: é a ponta de uma amizade
que se faz. Ora, é no bar que as melhores amizades surgem. Repetidamente lá! E
melhor que seja no Bar Sujo, que agora surge diante de nossos olhos!
Mas antes, é
necessário esclarecer que, minutos depois, o senador foi tomar algumas tequilas
com Souropeaux e Greval, enquanto falavam de ninfetas-ninfomaníacas da tevê e
dos melhores times de axilabol da temporada. Sim, Gustavo Caipira, sábio Caipira,
são exatas as suas palavras: “A ausência de sentido é uma das principais
motivações daquele povo alienado”. Creio porque é absurdo.
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