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REALISMO EM PORTUGAL

O Primo Basílio – Eça de Queirós
Casados há três anos, Luísa e Jorge moram numa rua pouco elegante de Lisboa, freqüentada por gente pobre e que se diverte com mexericos e intrigas. Jorge é engenheiro e trabalha num Ministério, enquanto Luísa, de personalidade enfraquecida pela leitura de romances, vive de forma ociosa e sonhadora. O casal só deseja um filho, que lhe complete a felicidade. Jorge parte para o interior - Alentejo - a negócios. Luísa, solitária, aborrece-se com a ausência do marido até a chegada de Basílio, um primo que fora seu primeiro amor e que a abandonara.
      Ao rever a prima, Basílio passa a desejá-la para uma aventura que diminua o tédio de sua permanência na cidade, cujo provincianismo despreza, mas na qual tem negócios a resolver. Luísa, depois de resistir por um breve tempo, cede às tentações do charme, da paixão por Basílio, que a “perverte” contando suas aventuras amorosas, iguais às dos romances lidos por Luísa, e se entrega a ela, cometendo o adultério. Juliana, a “criada de dentro”, ávida por uma vingança contra todas as patroas, rouba algumas cartas trocadas pelos amantes, passando a chantagear Luísa. Basílio, que havia prometido levar Luísa a Paris, abandona-a novamente. Ela se desespera, então, com a chegada de Jorge.
      Apaixonada “como nunca” pelo marido, ela transforma-se em criada, a mando de Juliana, até Jorge pegá-la em flagrante e demitir a empregada. Luísa, depois de rezar, jogar na loteria, e até mesmo de tentar se entregar a um banqueiro para conseguir o dinheiro da chantagem, conta o seu segredo a Sebastião, um amigo de Jorge, que promete ajudá-la. Acompanhado de um policial, ele consegue recuperar as cartas de Juliana, que morre espumando de raiva, vitimada por um colapso nervoso.
      Luísa, recuperada de uma “febre cerebral”, volta a adoecer, de maneira fatal, por causa de uma carta de Basílio para ela, que Jorge lera. Martirizado pelo desejo de matar e o de perdoar a mulher, Jorge termina por revelar o adultério. A história termina com a morte de Luísa, seguida de duas ironias: um necrológico sobre a sua virtude, feito pelo Conselheiro Acácio, um falso puritano, hipócrita e que representa o convencionalismo bem-sucedido, a vacuidade premiada; e a volta de Basílio, o Janota, o almofadinha, que toma conhecimento da morte da prima, lamentando-se com um amigo por não ter trazido Alphonsine, sua amante francesa.
- crítica à burguesia fútil
- crítica  ao Romantismo

O Crime do Padre Amaro – Eça de Queirós
      Amaro Vieira era filho de uma criada da marquesa de Alegros. Com a morte da mãe, foi adotado pela marquesa, que se encarregou de sua educação. Assim que a mãe adotiva falecera, foi encaminhado para a vida religiosa, a que se dedicou mais por comodismo do que por convicção.
      Inicia sua carreira em Feirão, paróquia pobre de pastores na serra da Beira Alta, mas, em seguida, é transferido para a província portuguesa de Leiria graças à interferência do conde de Ribamar, esposo de uma de suas irmãs “afetivas”. Lá, hospeda-se na casa da Senhora Joaneira e acaba por se envolver sexualmente com sua filha, Amélia, jovem religiosa cuja frivolidade a leva a aceitar passivamente os aconselhamentos dos padres e das beatas.
      No decorrer da narrativa, Amaro torna-se um homem inescrupuloso que coloca seus interesses particulares acima de sua opção religiosa e se serve do sacerdócio para manipular as pessoas e atingir seus objetivos.
      Assim, quando Amélia fica grávida, temendo um escândalo que pudesse abalar sua condição de pároco, ele a esconde. Como a mãe morre no parto, entrega a criança a uma “tecedeira de anjos”. Morta também a criança, Amaro transfere-se para a paróquia de Santo Tirso onde continua a exercer sua função de pároco. dd
- crítica ao clero
- crítica à hipocrisia social
- crítica à falsa idéia de que os maus sempre são punidos

A cidade e as serras – Eça de Queirós

Em A Cidade e as Serras acredita na vida simples e rústica, libertando o bucolismo, valorizando os seres simples, a distância da civilização, a pureza da vida campestre na mais sincera contaminação romântica.

      Ajuste da civilização

      O romance é escrito em primeira pessoa por José Fernandes, um personagem secundário. O narrador centraliza seu interesse na figura de um certo Jacinto, descrevendo-o como um homem extremamente forte e rico, que, embora tenha nascido em Paris, no 202 dos Campos Elíseos, tem seus proventos recolhidos de Portugal, onde a família possui extensas terras, desde os tempos de D. Dinis, com plantações e produção de vinho, cortiça e oliveira, que lhe rendem bem. O avô de Jacinto, também Jacinto, gordo e rico, a quem chamavam D. Galeão, era um fanático miguelista. Quando D. Miguel deixou o poder, Jacinto Galeão exilou-se voluntariamente em Paris, lá morrendo de indigestão. D. Angelina Fafes, após a morte do marido, não regressou a Portugal, e, em Paris, criou seu filho, o franzino e adoentado Cintinho que se casou com a filha de um desembargador, nascendo desta união nosso protagonista.

Primeiros desencantos

      Zé Fernandes, a partir daí, pôde observar com maior atenção o amigo; suas intensas atividades o desgastavam e, com o passar do tempo, constatou que Jacinto foi perdendo a credulidade, percebendo a futilidade das pessoas com quem convivia, a inutilidade de muitas coisas da sua tão decantada civilização: ele atravessava um período de nítido desencanto. Alguns incidentes contribuíram sobremaneira para afetar o estado de ânimo de Jacinto: o rompimento de um dos tubos da sala de banho, fazendo jorrar água quente por todo o quarto, inundando os tapetes, foi o bastante para aparecer uma pilha de telegramas, alguns inclusive com um riso sarcástico, com o do Grao-Duque Casimiro, dizendo que não mais apareceria pelo 202 sem que tivesse uma bóia de salvação.
      Preocupado, Zé Fernandes consulta o fiel criado Grilo sobre o que está ocorrendo com Jacinto. O homem respondeu com tamanho conhecimento de causa que espantou o narrador. Uma simples palavra poderia definir todo o tédio de que era acometido: o patrão sofria de “fartura”.
      De Schopenhauer ao Eclesiastes: pessimismo

      Como já havia planejado, o narrador partiu para uma viagem pela Europa e, ao retornar, procurou o amigo e tentou descobrir o que lhe passava na lama, pois encontrou-o mais pessimista que nunca, depressão revelada pelas leituras do Eclesiastes e do filósofo pessimista Schopenhauer. Nestas leituras, encontrava um certo amparo aos comprovar que todo mal era resultante de uma lei universal e, a partir daí, encontrou uma grata ocupação - maldizer a vida. Ao mesmo tempo, sobrecarregou sua existência com fervores humanísticos. Mas de nada adiantava, pois Jacinto estava desolado. No inverno escuro e pessimista, Jacinto acordou certa manhã e comunicou a José Fernandes que esta de partida para Tormes. Decidiu viajar ao receber uma carta de Silvério, seu procurador, que dizia estarem concluídos os trabalhos de reerguimento da capela para onde seriam translados os restos mortais de seus avós que ele não conhecera, mas que o 202 estava cheio de recordações.
      Os preparativos para a viagem envolveram uma mudança da civilização para as serras. Jacinto encaixotou camas de penas, banheiras, cortinas, divãs, tapetes, livros, despachou tudo para poder enfrentar com conforto um mês nas serras. Enquanto isso; renascia nele o amor pela cidade.
      Partiram os dois amigos de volta a Portugal. As cidades passavam pelas janelas do trem: da França para a Espanha, da Espanha para Portugal... Tomado por uma suave emoção, José Fernandes estava feliz em rever a pátria; Jacinto, aborrecido e enfadado principalmente porque, em Medina (Espanha), as malas ficaram em compartimentos errados quando foi feita a baldeação. O narrador, com o intuito de aclamar o amigo, diz-lhe que a Companhia cuidaria de tudo. E ficaram os dois só com a roupa do corpo. Enfim, chegaram a Tormes.
         Desembarcaram em Tormes, onde o narrador encontrou o velho amigo Pimenta, chefe da estação. Após apresentar-lhe o senhor de Tormes, indagou por Silvério, o procurador de Jacinto em terras portuguesas. Começaram então outros desastres da viagem. Silvério não os aguardava: havia partido há dois meses para o Castelo de Vide. Os criados Grilo e Anatole, aparentemente estavam com as 23 malas em outro compartimento, não foram encontrados, o trem apitou e partiu, deixando os dois sem nada. Não havia cavalos para atravessarem a serra, pois Melchior, o caseiro, não os esperava senão para o mês seguinte. Pimenta arranjou-lhes uma égua e um burro e ambos seguiram serra cima, esquecendo, por alguns instante, os infortúnios passados enquanto contemplavam a beleza da paisagem. O pior ainda estava por acontecer: os caixotes despachados de Paris há quatro meses não haviam chegado, e o mais civilizado dos homens estava totalmente à mercê das serras. Como ninguém os esperava, a casa não estava pronta para recebê-los, a reforma acontecia devagar, os telhados ainda continuavam sem telhas, a vidraças sem vidros. Zé Fernandes sugeriu que rumassem para a casa de sua tia Vicência em Guiães e Jacinto retrucou que ia mesmo para Lisboa.
      Melchior arranjou como pôde um jantarzinho, caseiro e simples, longe das comidas sofisticadas, das taças de cristal, dos metais e porcelanas. Uma comida que serviu para matar gostosamente a fome dos viajantes. O senhor de Tormes regalou-se com o jantar que lhe parecera, à primeira vista, insuportável; e o caseiro, diante das manifestações de regozijo perante a comida, pensou que seu senhor passava fome em Paris.
      Após o jantar, ambos ficaram contemplando o céu cheio de estrelas, passaram a ver os astros que na cidade não se dignavam ou não conseguiam observar. O narrador ia-se deixando levar por um contato tão estreito com a paisagem, que em breve surgia uma identificação total do homem com a natureza e em tudo percebia-se Deus, num claro processo panteísta muito comum entre os românticos e que Eça passou a assumir.
      O cansaço vence os dois viajantes. José Fernandes adormece sob os apelos de Jacinto para que lhe enviasse algumas peças brancas e lhe reservasse alojamento em um bom hotel de Lisboa. Uma semana depois que José Fernandes havia partido para Guiães, recebeu suas malas e imediatamente enviou um telegrama para Lisboa, endereçado ao hotel Bragança, agradecendo pela bagagem que foi encontrada e alegrando-se pelo amigo estar novamente gozando os privilégios de seres civilizados. No entanto, não obteve resposta. Certo dia, o narrador voltando de Flor da Malva, da casa de sua prima Joaninha, parou na venda de Manuel Rico, e ficou sabendo algo surpreendente através do sobrinho de Melchior: Jacinto permanecia em Tormes já há cinco semanas. Ao visitar Jacinto, José Fernandes o encontrou totalmente mudado, física e mentalmente. Nada nele denunciava um homem franzino; estava encorpado, corado, como um verdadeiro montês.

      Um homem de bem com a vida

      Era um outro Jacinto a quem o campo já não mais era insignificante. Cada momento novo era uma nova e alegre descoberta. Enfim, era um homem de bem com a sua vida. Aproveitando a presença do amigo, Jacinto providenciou a transladação dos corpos de seus antepassados para a Capelinha da Carriça, agora reconstruída. Zé Fernandes, hábil observador do amigo, percebeu que Jacinto não se contentava em ser o apreciador passivo dos encantos da natureza. Ele queria participar de tudo, e lhe surgiam grandes idéias como encher pastos, construir currais perfeitos, máquinas para produzir queijos...
      Convidado por Zé Fernandes para o aniversário de tia Vicência, Jacinto encontraria aí a oportunidade de conhecer seus vizinhos, outros proprietários. No entanto, a recepção não foi aquilo que o narrador esperava. Havia uma frieza por parte dos habitantes da região, exceto tia Vicência que o recebeu como verdadeiro sobrinho. Ao terminarem a ceia, vieram a saber porquê daquela frieza: eles pensavam que o senhor de Tormes fosse miguelista como o avô e que pretendia restituir D. Miguel ao poder.
      Este jantar serviu de pretexto para o narrador mostrar a mentalidade atrasada da sociedade serrana e aquilo que a fazia sorrir Jacinto era, na verdade, um abismo entre a ignorância e o progresso. A serra estava impregnada de uma mentalidade retrógada, ainda absolutista, enquanto no final do século polvilhavam novas teorias e doutrinas filosóficas e políticas. Tentou-se ainda um jogo de voltarete para animar a noite, mas a ameaça de uma a tempestade levou os convidados a baterem em retirada.
      A chegada a Flor de Malva prepara o desfecho do romance. Joaninha, que não se apresenta sequer uma fala na narrativa, jovem de uma formosura ímpar estaria destinada a ser a senhora de Tormes. Jacinto não fazia mais a barba e totalmente adaptado agora iria se casar.
 Os caixotes embarcados de Paris enfim chegaram a Tormes e serviam para demonstrar o total equilíbrio do protagonista, aproveitando o que poderia ser aproveitado e desprezando as inutilidades da civilização. Certamente Jacinto descobrira seus melhores valores: era feliz e fazia os outros felizes.
      Quem voltou a Paris foi Zé Fernandes e lá, sentindo-se abandonado e entediado, descobriu uma porção de fantoches a viverem uma vida falsa e mesquinha. Percebeu que os antigos conhecidos eram seres frágeis e vazios, idênticos entre si e massas impessoais, amorfas, feitas para gradar ou desagradar os outros conforme seus interesses. Não suportando a cidade, retornou a Portugal. Este serrano que anteriormente valorizava os encantos da civilização foi tomado pelos mesmos sentimentos de Jacinto e confirmou uma simples verdade: no fundo, reabilitou Eça de Queirós com o seu Portugal.

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