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Greval não se
resignava ao neocódigo. Aquilo não lhe fazia o bem que se esperava que fizesse a
um etnodominador. Ora, atlântidos-atormentados, nosso herói está cordiferido
com tais leis, está mortificado com a aristojustiçaria, e oferece ao manicrata
João Pedro II – para nossa grande honra – uma contraproposta nos exatos termos
opostos aos que foram apresentados.
Pretendia o
greválico homem dar aos seres de subvida as mesmas condições de macroexistência
recebidas pela elite. Sim, a macroexistência, a equissaúde, a ambrósica-alimentação,
o hercúleo-esporte, o bacante-lazer, a alexândrica-profissionalização, o total
extermínio da gluteolatria, a dignidade racional, a platônica-educação, o
etnorrespeito, a sartreana-liberdade, a convivência-familiar-confuncionista e o
convívio-social-volteriano! É bem verdade que muitos dos valores propostos por
ele nem mesmo a elite cabelense possuía, mas a seu ver aqueles eram direitos
básicos que até seu pior inimigo deveria merecer – não como privilégio, mas
como pré-requisito para que pudesse vir a desenvolver suas potencialidades
humanas.
Obviamente, os
aristocabeladores receberam a contraproposta como uma grande paródia dante-humorística
para humilhar ainda mais a classe social rastejante. Contudo, nem todos assim a
viram, do que resultou que alguns mau-olharam para Greval e para seu cargo de
etnodominador, o que lhes contarei com mais detalhes na parte seguinte.
Parte VI
- Outra estirpe das mais menos-prezadas; Greval sob risco de subvida
Este é um costume muito específico do reino. E, por isso mesmo, como boa
parte do que de lá emerge, é-nos incompreensível. Vislumbrem, Úmero, Salles, Dudu,
Caipira, Lucca, João Martins, Karen, Bea, vocês que observam essa realidade com
olhos-de-criança-ouvindo-a-avó-falar-de-outro-mundo... No Reino Sub-Imundo dos Alisamentos
Capilares, existia o que em gíria se chamava “ajoelhar-se-disposto-ao-chefe”, ou
“tombo-dado-aos-colegas”, ou “oca-pessoa-que-não-pode-por-si-mesma”. No
entanto, em linguagem oficial, emprego tão marcante – e descobrimos que se
trata sim de um emprego – era o “cargo de secretário sem autoconfiança”. E o
secretário sem autoconfiança do presidente João Pedro II era Energúncio-Tapete-Às-Mãos.
Energúncio não contrariava o chefe pelo que fosse e jamais lhe lançava um
“talvez” ou um “mas”. Era tecnicamente impossível que oferecesse algumas
expressões-tabu, como: “Em minha opinião”, “Eu acho”, “Eu penso” ou
principalmente “Eu sei”. Por isso mesmo, ele era tido em grande conta por seu
chefe, como um ulíssico-funcionário, com ilustradas ideias para solucionar
problemas os mais difíceis. Sua técnica era simples: bastava-lhe papagaicamente
repetir o que seu chefe houvesse dito, ou simplesmente apoiá-lo.
Muito boa sua comparação, Dudu! O cérebro dele, de fato, poderia ser
comparado ao de Lomer Cinpson, essa rara e maior aberração da Sociedade Atlântida.
Se alguém não se lembra, era o protagonista de um seriado de tevê extinto há
muito em que as pessoas são amarelas por tomarem uma infinidade de Coca-Esfola,
tem barriga um tanto quanto saliente por tomarem muita cerveja Prama e
acreditam nos noturnos telessanguinários-jornais atlântidos; sim, nos soturnos telemartirizantes-jornais
atlântidoentes!, essa nossa óbvia comédia cotidiana.
Tapete-Na-Mão apoiava quaisquer decisões do presidente, mesmo que
fossem decretos que mandassem soldados rezarem a “Oração da Covardia”, mesmo
que fossem leis que dissessem que balas perdidas seriam autorizadas somente em
capitais do turismo, ou mesmo que lhe ordenasse enrolar papéis higiênicos
recicláveis destinados inevitavelmente aos subviventes. Sabia, Energúncio-Tapete-Na-Mão,
que o mais importante na vida não era a verdade, não era chegar ao fundo da
questão, chegar às respostas das questões veropreocupantes. O mais importante
era o que o presidente dissesse ou mandasse, ainda que manicrata, ainda que
despreparado, ainda que inconsequente e prejudicial à maioria da bobulação – os
já tão famosos seres de subvida.
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Ah, Úmero Card’Osso, como era oftalmocarente o presidente! Como era
elitólatra! Como necessitava de um urgente-enxerto-cerebral! E, no entanto,
mais absurdo que um presidente com teor cerebral comprometido somente poderia
ser um seu canino-secretário-fiel.
Tal ser-excretário, meu amigo atlantidoísta, era colega de trabalho de Greval,
esse nosso neo-herói, esse melhor funcionário que o Reino Sub-Imundo jamais
teve, esse defensor-dos-desafortunados. E foi, por certo, determinante em seu
destino.
Ah, Greval, como nos orgulhamos por você ter reinventado o Sistema Público
de Saúde São Presidente João Pedro II; por ter esclarecido que a educação é a
base de toda a sociedade – ainda que os seres de macrovida tenham entendido isso
como uma piada-de-humor-ultranegro; por ter abolido o paternalismo e o
protecionismo – esses disfarces da opressão mal-intencionada – e;
principalmente, por ter dado oportunidade aos bons-de-serviço-e-fracos-de-conhecidos-influentes.
Mas, Greval, questiono-o, apesar de que não me ouve, numa simples
pergunta-retórica: que importa tudo isso? Que importa tudo isso quando você,
camoniano ser, não fez sua reverência mensal ao presidente?!
Não poderia se “esquecer” de que é sua obrigação, no dia sete de cada
mês, passar diante d’Ele e reverenciá-lo tirando o chapéu e o que mais lhe for
pedido. Ora, Greval, aquela foi uma clara demonstração de seu desrespeito e de
sua nítida vontade de abdicar de seu salário, que só viria depois da reverência.
É verdade, meninas atlantidocêntricas, não me olhem horrorizadas: tal
oferta, no Reino Sub-Imundo, é tão importante para eles quanto é para nós a
Oferenda do Primeiro Geladíssimo Copo de Cerveja. Deixem-me, portanto,
prosseguir com os abismais fatos.
A consequência de tão estapafúrdias confusões foi que Energúncio, cumprindo
metodicamente seu papel de tombador-de-colegas-honestos, denunciou Greval à
Suprema Corte da Ignorância. Nosso herói, o que tudo fizera, o
sempre-justo-reto-e-correto, o ajudante-mor do presidente, estava agora sobre
grave risco de tornar-se um ser de microvida, e desempregado.
(Dizem os Abrutalhados Trabalhadores das Indústrias de Fabrícia que a
pior mulher é aquela que, estando acompanhada, dá atenção a outro homem e que o
pior homem é aquele que, além de não agir, não deixa que os outros ajam. Se é
verdadeiro que Energúncio não é mulher e que não dá atenção a ninguém que não seja
João Pedro II, é mais verdadeiro ainda que ele é daqueles que estorvam o
caminho dos vencedores, que atrasam a vitória dos grandes, que tendem a
acreditar que só porque eles próprios são pequenos, fracos e incapazes, todas
as outras pessoas no mundo também o são. Não dão, não vendem, não emprestam.
Não passam, não saem do caminho e colocam armadilhas para quem tenta ir adiante).
Todos os capilantras agora riem de Greval como se ri de um homem que
perde uma ninfa para um idoso desprovido-dos-fios-capilares e
super-provido-de-auros-estelares. Riem dele como se ri de um candidato que
perde um grande emprego para alguém menos competente e mais bem familiarizado
com o dono. Riem dele, enfim, como de um supremo-ser que era motivo de inveja e
já não é mais! Dessa forma, antecipavam um triste fim do qual nem mesmo tinham
certeza. E, por tal altura, já lhe apontavam na rua, dizendo-lhe: “Lá vai um
senhor Jeca!”.
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Para depurar devidamente sua fossa, Greval acomodou-se à sua poltrona por
umas horas, o suficiente para ver um plantão psicoapelador, em um dos jornais
mais mentiráticos do reino: “A doentia Manisofa ataca novamente. Depois de
parar o trânsito de Distúrbico por um dia, sem explodir ônibus algum, a
sociopata agora ameaça explodir o templo mais sagrado de cada uma das três
principais religiões existentes em nossa sociedade: um idademedista, um jucaísta
e um altissonante. Estão todos situados na Faixa de Paza, centro de nossas
principais guerras santas-do-pau-oco.
“É um momento tenso e inigualável na história da humanidade. As três
religiões envolvidas disputam há milênios tais territórios. Tudo indicava que
caminhavam, enfim, pacificamente para uma trégua... Mas foi justamente nesse momento
de distração que Manisofa agiu.
“Vejamos um vídeo com as palavras do respeitadíssimo presidente manicrata,
que havia sido por ela sequestrado e forçado a ler recitadamente um texto.
Nota: logo após a gravação, ele foi abandonado em um dos nossos famosos
Clubes-de-Luta-Clandestinos:
“- Cada igreja está repleta de explosivos. Se alguém sair, ela explode.
Se alguém entrar, ela implode. Se for tentado qualquer contato com o exterior,
desmorona. Cada uma delas tem o poder de destruir as outras duas. Cada uma
delas tem um dispositivo no altar que pode acabar definitivamente com as
outras. É a chance que todas têm de serem a única, de serem a soberana, de
levarem adiante sua crença. Em quinze minutos, só existirá um desses templos,
pois se não destruírem somente os outros dois, eu mesmo os destruirei todos. Em
quinze minutos, esfacelar-se-ão, no mínimo, dois dos maiores templos da
humanidade. Basta agora que vocês escolham. Por um sutil cuidado, há câmeras
nas três igrejas, para que todos possamos acompanhar as ações dos detentores do
poder. Eu amo o medo!”.
Greval, ao invés de dormir, como havia feito na vez anterior em que
ouviu falar de Manisofa, passou a prestar atenção nos fatos. O jornal
sensacionaleiro não poderia perder um minuto de audiência e subcultura.
Mostrou, portanto, como a igreja idademedista ergueu imediatamente um
amplidebate a respeito da incredibilidade de Manisofa, que já havia ameaçado
explodir dez ônibus e não o fez. Disso, concluíram que se não matassem os
outros, não seriam mortos, e deixaram estar, tranquilos e conscientes da melhor
escolha. A igreja jucaísta pensou que deveria seguir o intraprincípio de sua
religião, que era: “não fazer ao outro o que não desejaria que fosse feito a
você”, e resolveu sacrificar milênios arquitetônicos – tornando-se assim artecidas,
mas salvando alguns milhares de micro ou subvidas. Por fim, na igreja altissonante, depois de rápidas análises
precipitadas e disparatadas, o líder chegou à conclusão de que, se não
explodissem-implodissem-ou-demolissem as outras, seriam logo impiedosamente
assassinados pelos infiéis-pecadores – e era até assustador que ainda não
tivessem sido: “certamente um milagre!”. Empolgando-se em seu discurso e
consigo mesmo, o líder disse ainda: “Esta é uma chance única, mulheres e homens
de grande voz: podemos mudar o rumo da história!” E, sem titubear, ergueu uma
nova canção, que ensinava os altos louvores, as altas doações e o total
desapago, além é claro de justificar belas explosões e sacrifícios
espantosamente em nome da fé. Foi então que apertou o botão, lançando pelos
ares dois templos e milhares de fiéis. Foi desta forma que sua igreja criou o
monopólio-da-fé, que não abordaremos mais adiante, meus amigos apressados, por respeito
às vítimas da macroignorância.
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A tempo, importa-nos saber que Greval passou a refletir mais sobre a mulher
dos cabelos à semelhança de fiapos de espiga-de-milho, autodenominada Manisofa,
a criadora de tantos problemas. Não foi preciso muito para que concluísse ser
preciso procurá-la, saber seus motivos, afagar-lhe a alma; ora, ninguém lutava
por nada. Poderia ser dinheiro o que ela queria, poderia ser qualquer outra
coisa: a questão central era realmente descobrir qual recompensa buscava
Manisofa. Foi então que nosso herói lembrou-se de sua posição-de-risco no
governo, de sua posição-de-risco em casa, e decidiu agir rapidamente. Mas como?
Foto
da mão de Energúncio
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CAPÍTULO IV – NÚCLEO SOCIOILÓGICO
DO REINO SUB-IMUNDO
Ora, João Martins, esse seu pragmatismo-clássico,
essa sua memória-de-balconista-insatisfeito-com-seu-salário-mínimo! não me
deixa mesmo esquecer de nosso filósofo-de-bar, o já aguardado e resguardado
Souropeaux – o diabo-da-solidão, o filocarente, o vagante a sós. Pois bem, para
que você saiba um pouco mais sobre tão centrípeto personagem; para que conheça
bem sua incógnita mentalidade; para que enfim saiba o quanto Pratão – um alpinista
lisense que crê ser melhor que os outros e atingir as alturas – fica pequeno
diante de tal homem; por isso tudo, agora saberemos a opinião dele sobre alguns
subfenômenos reinais.
Parte I
– Sistema de governantes doidos do Reino Sub-Imundo
“Não se pode esperar algo diferente dessa sociedade,
de métodos desoladores: os presidentes são, em sequência e sempre, egolouvadores,
alterdestrutivos, sociopatas e, fundamentalmente, manicratas. Sim, o ‘Império
da Loucura’, da demência, da insanidade paira sobre nós. Os governantes tudo
podem, tudo sabem. São, em verdade, os Neros pré-modernos: com a sutil
diferença de que em vez de atearem fogo ao reino, ateam o caos, o ilogismo, a
ignorância e a discórdia. Por serem descompensados, os presidentes consideram em
demasia o autoproveito, a unilateral visão de mundo e,
incoerentemente-com-sua-própria-incoerência, o nepotismo.
A principal consequência de sua doença-mental –
pré-requisito fundamental para poder ser eleito – é seu método político. Dele
surgem suas decisões arbitrárias, criminosamente mal-intencionadas e genocidas.
Os governantes constroem de tempos em tempos longas e caras estradas que ligam
o Inabitável ao Inóspito, sem baldeações; iniciam projetos bárbaros de energia-nula,
infuncionáveis, mas sempre pagos com antecedência; lavam, enfim, o dinheiro
público no copo sujo de seu parentesco ou cunhadesco industrial e comercial.
Ora, já que é assim, ninguém pode compreendê-los: são
doidos-nunca-varridos. E justamente por isso é mais fácil adorá-los, cultivá-los,
chamá-los de ‘queridos’ e dar-lhes muitas reeleições desmerecidas, esquecendo
paulatinamente suas injustiças acumuladas a cada pleitocídio”.
Tudo isso, meninas super-atlântidas, era o próprio
Souropeaux que observava e analisava tomando um conhaque dos mais empoeirados daquela
agropaisagem espontânea: o Bar Sujo. Gostava mesmo dali, pois enquanto Des Lize
ia-lhe trazendo sorridentemente tudo quanto pedia, ele podia anotar em sua caderneta,
já desencapada e amarelada, diversas acrogogias – ciência por ele mesmo
inventada, tendo o sentido de “conduzir os homens às alturas” – que jamais
seriam publicadas nem lidas, devido à falta de público que não fosse só ocupador-de-carteira-escolar,
leitor-de-orelha-de-livro ou assistidor-de-tevê; por falta do público por nós denominado
como: “leitor-de-expressões-máximas-de-uma-humanidade-inteira”!
É certo, Karen Wine, que ele estava coberto de
razão como cobrimos nossos amores de emoção. O que ele não sabia é que ali, no
Reino Do Instante, a Verdade era um acessório aberratório, coisa de
pai-saudosista que já não entende nada-do-que-a-gente-gosta, artigo dos mais
inconvenientes e criadores de antipatias ou, enfim: ele não sabia simplesmente
que a Verdade não era requinte da moda. “E a moda é tudo”, já dizia Ovosníguio,
o senhorito das chapas alisadoras.
Se forçarmos um pouco mais nossa vasta memória,
minha amiga bacantora, lembrar-nos-emos de que as coisas de que Souropeaux não
gosta jamais foram vistas em período algum, nem nos mais remotos, em nossa
Sociedade Atlântida: protótipo dos convívios! Sendo assim, é importante fazer
dele um foco de análise; ele, que se torna para nós agora um verme-saudável em
meio à lavagem-superficial; ou ainda, uma laranja medonha, podre até no sumo do
supra-sumo, mas que não contagia as demais.
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Apartes à parte, continuemos, amigos, com a
narrativa.
O atual presidente, João Pedro II, fazia parte de
uma grande linhagem de doidos, patetas, mendigos e fanáticos. Era, portanto, um
exemplar perfeito para governar o Reino Sub-Imundo: um “despreparado”.
Porque no Reino Sub-Imundo, surpreso Úmero, a
loucura foi a subforma encontrada para que nunca se errasse na escolha dos
governantes. O essencial era que os presidentes fossem efetivamente
incompetentes, não pudessem (ou quisessem) fazer coisa alguma para mudar, para
melhorar a vida da bobulação de microvida. Ora, a sociedade cabelense era, por
desexcelência, uma não-realizadora de sonhos, apesar de, mantê-los, na medida
certa, existindo. “Sem ilusões o império não sobreviveria”, falava o manicrata.
Matando a trilha de realizações dos sonhos, assassina-se a meta: a transformação
social e individual.
Caipira, parceiro, aquela sociedade estava, por
certo, longe de nosso adorado e pretenso viver-esclarecidamente. Pois veja...
CONTINUA...
Na próxima semana, não perca o
consumidoidismo e as Lojas Multi-Titica!
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