Se você ainda não leu, as publicações anteriores estão em:
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Parte III – da descrição do bar menos importante da sociedade liso-capilar;em que fica claro como
os momentos de libertação são raros no Reino Sub-Imundo; ou simplesmente: o Bar
Sujo.
O famoso Bar Sujo
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Parte III – da descrição do bar menos importante da sociedade liso-capilar;
“O banheiro é a igreja de todos os bêbados” – Cazuza
O Bar Sujo é o lugar aonde vão os supostamente piores tipos e os piores
seres. Lá vão os desclassificados por natureza e os velhos desempregados por proteção
paternal; é aonde vão, sendo assim, os pedidores de dinheiro emprestado sem
intenção de pagar, os pedreiros cujas casas construídas caem, os cobradores de
ônibus mal-encarados, os cerradores de pinga alheia, os donos dos bares mais
imundos do reino em horários de folga, os caminhoneiros que não se lembram das
famílias, os frentistas sem humor, os pinguços por profissão e mais uma vasta
gama de adeptos da política-do-álcool... Há ali uma atmosfera terrível, pois é
um lugar agrovisual, com ossos das cabeças dos bois espalhados, com selas
dependuradas, e com música-dor-de-cotovelística tocando à revelia.
Entremos,
amigos; entremos neste mar de novidades!
Refúgio dos
fugidos, antro dos sem vegonha de si mesmo, aqui qualquer um pode entrar,
qualquer um mesmo, até mesmo Esníguio, desconhecedor de seu próprio gênero, ali
sentado todo-ostestação; até mesmo Souropeaux, filósofo-de-boteco, agora grande
amigo de Greval, o sem-boa-sorte; podem até mesmo e principalmente as
baratinhas incondicionais. Aliás, elas têm sua tribuna reservada, uma mesa ao
centro, como lhes é de direito.
O Bar Sujo é o
local dos descontentes com a pesada perseguição aos instintos. Aqui as paredes
são sujas, o chão é mal-acabado, de cimento rachado. E se a balconista apanha
do marido, ela está sempre sorrindo para a gente. As pessoas aqui são feias que
doem; é um lugar inamorável, porque onde estamos não é possível arrumar
namorada, não. Mas também ninguém esconde a essência, aqui se é e pronto, ponto
final, meus amigos! As ilusões fantasiosas e fantasiadas pelo capital são
deixadas da porteira pra fora. E a atendente atende bem, trata bem, uma coisa
inadmissível nos lugares do alto-escalão cultocapilar!
Oh encontramos toda a beleza de poder-estar bêbado, de ser um
alcoólfago, alcoólvoro, e de domir sossegadamente em cima da mesa de plástico pegajoso!
Aqui encontramos até mesmo essa fatídica variedade de subpessoas de microvidas;
sim, os professores também vão para lá. Só mesmo no Bar Sujo para receberem a atenção
que os alunos não lhes dispensam neste absurdo Reino Sub-Imundo! Somente neste bar
os seus sonhos mais distantes são realizados, porque aqui todos são tratados
bem.
É de se notar que a única classe social que passa por um certo controle
antes de entrar é a da das pedagogas. Isso porque muitas delas tentaram
deliberadamente corromper o Bar Sujo, fazendo dele um bar “decente”. Devido a
isso, o Controle de Falta de Qualidade, composto pela dona e pelos mais assíduos
frequentadores, por vias de economia, só aceita as pedagogas que provam terem a
preocupação centrada no ensino de fato, na educação em si, e não nas aparências
e formalidades que não acrescentam nada a ninguém, e muitas vezes engessam a
potência docente e discente. Essas notáveis pedagogas são, afinal, casos raros,
porém admiráveis no reino. E sem se preocupar com a aparência, como todos os
demais, são bem vindas!
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Salles, meu parceiro atlântido, todos adoram secretamente louvar um
lugar tão desagradável, mas que centrifuga a imagem, o tratamento interessado,
o culto do não-ser-eu-mesmo-pra-ser-o-que-a-novela-ou-o-seriado-mandar. No
entanto, vão escondidos, que ninguém pode saber não – porque a imagem no Reino
Sub-Imundo é uma religião, e um lugar que a desmerece é tido como afronta aos
padrões estéticos lisocapilares.
Quando Greval
quer beber, o não raro que se ocorra, esse nosso parceiro vai para o bar tomar
na jarra, virar aguardente na xícara, deitar e rolar ao chão. O pessoal olha
pra ele e diz: Fique à vontade, como quiser. No Bar Sujo as alegrias de Greval
acontecem.
A essa altura,
já são quatro horas da manhã e Souropeaux sonha com as ninfetas pseudo-atrizes-e-vero-prostitutas
deitado embaixo da mesa. Greval, por sua vez, está debruçado sobre o balcão.
Não queria dizer ao recém-amigo que estava ali porque brigara com a mulher. Não
queria dar ao neoparceiro a chateação de ouvir reclamações conjugais. Sabia
perfeitamente que problemas alheios interessam somente a ninguém.
Sim, foi para
o Bar Sujo, chorou, lamentou, ouviu a popular música-dor-de-cotovelística e se
identificou com a balconista feia que apanhava do marido. Ele também havia,
simbolicamente, apanhado da mulher. E lhe pesava ser inferior a ela.
Os dois agora
conversam. Um improvável romance começa a surgir. Greval e a balconista feia:
Des Lize seu nome. Os dois se envolvendo, o mau-hálito incendiando o ar, a cachaça
queimando o fígado, o fervor todo das pessoas que não se escondem atrás das
montagens de Foto-Chópins. O casal agora se olha. Greval desninfando ou
desninfetando conceitos. A relação além-esposa, a questão extramaridal. Estavam
ao estilo sapo e lagoa poluída, mosca e lixo orgânico, cerume e orelha. Vão e
estão. E é quase. Até que a ameaça de um beijo é interrompida por um estrondo.
A balconista feia cai surdamente em coma alcoólico.
Poderia ser a
catástrofe, poderia ser o fim de um acasalamento iniciado, poderiam ser várias
coisas, mas Greval, num momento único de adequação ao sistema sub-imundo, usou
lustrosamente sua capacidade etnodominadora, e não sendo bobo nem nada,
arrastou-a para o toalete do bar, lá chamado de “O Inentrável”.
Suas alegrias
puderam enfim ser realizadas. Foram felizes – por uma hora. Essa medida de uso
e cobrança, inclusive, a hora, muito utilizada por diversos tipos de
trabalhadores do Reino Sub-Imundo, entre eles: as prostitutas, os professores e
os padres.
Já são cinco e
trinta e o vento começa a soprar frio na Praça dos Capachos, centro de
Distúrbico, onde os professores pedem suas primeiras esmolas para complementar
o orçamento a que o Estado não acode. Os foliões transformam-se já em cidadãos
– a tristeza volta a reinar. Enfim, a alegria do carnaval dá lugar às cinzas de
uma quarta-feira comum.
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Vendo que
Souropeaux continua em companhia das ninfetas, só e somente nos sonhos, e agora
se assemelha a uma espécie de cão enxotado pela prefeitura, Greval já
ressuscitado da latrina toma seu charuto de Nhoque e começa a olhar a rua quase
deserta. Esse charutaço nervoso que ele fuma agora é uma tentativa indiscreta
de imitar um funcionário seu, certo Joque Lacão, faxineiro por vocação, que conquistava
renda-extra como despertador de consciências em um consultório psicomédico.
Enquanto se
divertia com o imodesto cigarro, Greval, apesar de todo seu poderio aquisitivo,
deixava-se influenciar pela proletariosofia, uma tendência lisocabelense
inventada pelo PADECI – Partido dos Desocupados Cultos ou Incultos. Assim
sendo, fumava, espairecia e seu corpo e sua alma fluíam a gastar o tempo vago a
vagar.
Foi assim que
pôde ver Herberto Gessi, o melhor aparador-de-grama e pior trocador-de-lâmpada
de Padrid, chegando de viagem para socorrer as lâmpadas da praça principal. O
bigodudo trocador viu nosso herói esconder seu rosto entre escombros e estragos
da noite. Isto porque foi nesse momento que Greval notou: as universitárias
estupradas, as adolescentes desmaiadas, os pais-de-família drogados, os
travestis satisfeitos, os trabalhadores noturnos cada vez mais pobres e
infelizes, os jovens-sem-talento-sustentados-pelos-pais-corruptos-e-magnatas voltando
dos bordéis lisenses após nada conseguirem no Bar Bafo de Onça, as modelos
refazendo a maquiagem após mais uma noite de prostituição a troco de desfiles e
penteados; enfim, a banalidade da noite-a-noite dançando sobre o campo minado
da existência: viver é muito perigoso, já dizia algum camponês de quem não me
lembro o nome, ou lembro e disfarço para irritar os pernósticos acadêmicos.
Greval apanhou
um bocado dos estragos, escondeu sobre os escombros de si mesmo, e saiu veloz rumo
ao outro lado da cidade com sua mobilete de trinta anos de idade e cidade.
Porque no Reino Sub-Imundo as mobiletes são o principal meio de locomoção dos (raros)
engajados ecologicamente.
Exemplar mobiletístico
Sei que estás
a rir, Bea, minha amada e atlântida, mas não se assuste. As mobiletes são
floraconservadoras e geoprotetoras, devido a seu baixíssimo nível de poluição.
Vislumbra, portanto, a originalidade de nosso herói. Admira-o como o admiro! E
agora me deixe seguir com a história.
Greval cruzou
com um gari. O primeiro gari da quarta-feira-encinzentada, o primeiro ser a
desbravar e mostrar a biofobia daquele povo. O Carnaval não era a verorrepresentação
do Reino Sub-Imundo, mas um disfarce lisonjeiro e oportunista. Ali não cultuavam
Dionísio, e sim os presidentes loucos! Sim, Beazinha, lá os presidentes eram
loucos. O que há de mais? Para um povo obtuso, nada melhor do que a manicracia.
Mais tarde, minha cara, saberá detalhes sobre tal sistema, pois agora é preciso
conhecer o Forró Sem-Roupa-de-Marca e o Bar Bafo de Onça, estas duas
representatividades da cultura capilar, uma vero e outra pseudo, sendo que foi
a uma delas que Greval se dirigiu, em seu simpático meio de transporte, quando
já quase amanhecia.
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