Acesso às outras publicações em:
Parte IV –
Do Forró Sem-Roupa-de-Marca; Greval entre a elite; das minorias inoportunas: o
preto no Bar Bafo de Onça, também conhecido como o Bordel dos Ricos
Sim, João
Martins, no Forró Sem-Roupa-de-Marca do Reino Sub-Imundo a presença e a
constância contrabanhística era incrível. Tristeza geral dos fabricantes de
desodorantes e antitranspirantes, o odor exalado por aquele grupo era tal que
desmaiaria em segundos qualquer burguesa de nariz ultra-afetado.
A dança ali ia
solta; a dança, esse fenômeno de libertação total dedicada a Dionísio. Meu caro
e desavergonhado amigo Úmero, aquilo era um festa para os quadris, um alegria atemorizante
para as pernas: um festival acasalamenteiro. Nem mesmo a Imaginação, essa nossa
ninfeta preferida, pode alcançar tamanho fenômeno. O Forró Sem-Roupa-de-Marca é,
pois, parceiro direto do Bar Sujo, e mesmo uma sua continuação. O Forró sustém a
bandeira do orgulho da feiura!
No entanto, não
é para lá que se encaminha Greval. Ele busca rumos mais vazios – humilhações
mais automartirizantes.
Já iam quase
seis horas, já ia longe o pesadelo de um Apolo e próximo seu despertar,
enquanto Greval, na parte elitizada da cidade, provavelmente-culta-e-civilizada,
aguardava. Não, ansiava. Não, implorava. Sim, ele implorava, aos modos infantis,
entre birras, teimosias e feições desacorçoadas, até mesmo
bicos-de-criança-mimada, para que pudesse entrar no bar mais chique da cidade.
Sim, porque em Distúrbico, capital do Reino Sub-Imundo, era esse o procedimento
extraoficial para se entrar no Bar Bafo de Onça, mesmo que fosse a essa hora!
Cheguem mais
perto, amigos atlandes, venham de mansinho, de fininho, para ver essa subnovidade
que apresento a vocês! É que além de tudo, há ali, olhem!, o sistema de
senhas-para-entrar-em-botecos-chiques, considerado um dos mais sérios contrassensos
lisenses. É uma espécie de sistematização-da-alegria, ao estilo: “Por favor,
aguarde que chamem seu número para que o senhor possa ser feliz”; “Oh! Faltam
quinze minutos para o senhor possa sorrir abertamente”; “Senha quinze, por
favor. O senhor já tem permissão para se divertir, entre”. E por nenhuma
coincidência, a senha de Greval está repleta de zeros à direita...
A propósito, plasmos
atlântidos, o sistema-de-medição-de-preço-de-roupa é outro acontecimento umérico
da botecaria chique! Antes de entrar, é preciso ser avaliado por essa ou aquela
banca de reparadoras-em-plantão, formada por moças que compraram sua beleza com
o dinheiro do pai-trabalhador ou do marido-submerso – nunca, reparem bem,
nunca!, pelo próprio esforço. A conquista pelo próprio trabalho é umas das
piores humilhações a que um(a) jovem lisense poderia se sujeitar!
Enquanto se
distraíram com uma cafonice atípica que passava, vejam, roubei umas senhas,
vamos!
Aqui dentro do
bar há um ambiente simples e aconchegante, com quadros ruprestes e aparência bucólica
– tudo minuciosamente forjado. Na verdade, nada é simples, tudo é pré-editado,
pois não há espaço para reais simplicidades. A premeditação é tamanha que existe
até mesmo um espaço para os pais depositarem suas crianças por algumas breves
horas, o que lhes proporciona um raro momento de sossego.
Página 15
Ora, para
passar por todo esse sistema e acomodar-se minimamente nele, é preciso humilhar
sua essência, desfazer-se dela. Mas como desfazer-se de algo que não se possui?
Os submergidos encaram esse processo como algo normal, afinal, são egocarentes
e i.d.esprovidos.
E tudo isso para
quê? Para quê?! Para comerem pratos reduzidos por preços sobre-entojados,
fazendo expressões nojentíssimas, bebendo pouco, para economizar, e
principalmente para poderem se fazer notar em lugar tão importante. Há aqui pessoas
afetadas ao ponto de se darem até ao trabalho de tomarem somente uma cerveja
durante toda a noite, só para ocuparem uma mesa. Essa prática, aliás, é antamente
difundida.
O quê?! Não se
escandalize, Bea, a vida é bela; não, a vida é belícula, quase bélica. Sinta
como eu, Bea Rodrigues, que nem tudo vai bem. Ora, se ainda não sabe, é para
isso que estamos aqui, para atrapalhar a fácil digestão de uma elite alimentada
por muita pizza e pouco ovo frito! Para misturar vinagre em seus vinhos importados!
Para enfiar-lhes farofa garganta abaixo! Mas, primeiramente, precisamos aprender
sobre eles.
É, acaba de
chegar um negro já idoso à porta do Bar Bafo de Onça, cobrando direito autoral
sobre o nome de seu hálito, pedindo sua parte em cachaça.
Um multibanguela.
Descalço, megafétido sem-ser-por-opção, exemplar da falência do capetalismo,
daqueles que ficam eternos dias sem banho, que ficam toda a microvida sem sanar
sua aromarrepugância, sua indecência narinovisual. Sim, atlântidos cheirosos e
perfumados! Ele é daqueles inocentes, tão puros seres que acreditam que só pela
essência gigapotente que possuem, que só pela hercúlea-inteligência de que
dispõem, que só pela chico-buárquica-espontaneidade que trazem, podem ser
aceitos nos círculos renomados.
O segurança, que se supõe neopotente, arregaça as
mangas-da-camisa-emprestada e a cara do homem. (... )
(CONTINUA).
Acesso às outras publicações em:
Comentários
Postar um comentário