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A publicação anterior terminou na primeira frase do parágrafo abaixo...
O segurança,
que se supõe neopotente, arregaça as mangas-da-camisa-emprestada e a cara do homem.
Esse funcionário a que me referi estava adoentado pela “terno-fantasia”, doença
que atacava os pobres do Reino Sub-Imundo, infiltrando neles um espírito-suíno
que os fazia se sentirem como os capetalistas-seus-patrões, por se vestirem como
eles, apesar de nunca entrar nem participar das festas, ficando sempre à porta
estacionando os carros e carregando guarda-chuvas para que os engolidores de
auros, suas esposas e seus filhotes não se molhassem.
O negro apanhou
por nada. E nada, nesse caso, amigos, deve ser entendido como o fato de ter determinada
cor da pele, determinada falta de dentição e indeterminada posição social.
Porque ser pobre é pré-requisito para ser bandido, na concepção lisense. E o
sangue jorra, a verdade chora, a autenticidade é quebrada, mas nenhum dente é
quebrado, pois dentes não há.
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O que há é
apenas um bafo de onça que por ali perfuma as narinas-de-plástico das madames
super-recosturadas. O que há é apenas um senhor velho, barbudo, cabeludo,
mal-cheiroso, pobre, de órgãos já podres, miserável, desprezado, portador de
possíveis remelas, piolos, sarnas e perebas, um homem que não tem nem
guarda-roupa nem usa guardanapo, visto que para este uso seria necessário antes
comer – hábito este que lhe falta. As velhas o olham com a supremacia dos
imortais, com a pré-potência dos sem-potência, não percebendo que a diferença delas
para ele estava simplesmente em alguns mil ou milhões de auros, talvez
herdados, roubados, conquistados em um casamento bem arranjado – ou em alguns
mil ou dez mil dias que logo levariam todos ao túmulo, cadávares adiados que
todos são, ou somos. Não nos admira concluir, Gustavo Caipira, solitário rapaz,
que o Bar Bafo de Onça é incapaz de autoinspeção e vive o paradoxo da
pseudonomenclatura: Bafo de Onça não entra.
Assim é que o negro
fica estirado ao chão como uma criança que é repreendida por dizer a verdade.
De dentro do bar, algum burguês oportunista, com fama de inteligente, cria uma fácil-máxima:
“A escória ama o chão. Ou ao menos nele vive a maior parte do tempo”. Enquanto
isso, a saliva do negro desce pelo meio-fio rumo ao esgoto, que parece temer
ser poluído por tão medonho líquido. Não podemos deixar de rir do fato de que seus
piolhos praticam salto em distância pelas cabeleiras alisadas das madames; de
que seu hálito ainda paira, podre, pelo ar antes habitado por perfumes
inebriantes; de que sua presença ainda infecta os assuntos antes levianos, e
depois levianos, da classe adulterada pelas plásticas e reconstruída em corpos de
plástico. Viva o silicone, o botox e as lipoaspirações!
Enquanto isso,
a lombriga-solitária do enxotado senhor reclama por uma nutrição qualquer. O
velho, neste instante, come terra e lambe a porta-de-ferro do bar – sintomas
certamente de demência, na opinião de uma senhora bicentenária, dona de um belo
sorriso fixo (e imóvel), muito à semelhança de durex pregado à face. Pode-se
ver que o frio estilhaça os ossos do dono-do-verdadeiro-bafo-de-onça, enquanto
o dono-do-falso-Bafo-de-Onça já ronca alto em uma mansão em que mendigos são
queimados, se tentam se aproximar.
Greval, por
sua vez, já às sete da manhã, é chamado pelo genial sistema de senhas e entra
no bar mais chique e agora também mais vazio da cidade. Sozinho, ele olha o
cardápio e logo conclui que aquele estabelecimento cobra pela cerveja o mesmo
preço que o Bordel das Rejeitadas do Demo e de Damo, o mais caro do reino, onde
só as mulheres conhecidas como aposentados-do-sexo podem trabalhar. Notem,
amigos atlântidos, que a diferença entre os dois bordéis, digo, comércios está
em que, enquanto no prostíbulo há prostituição esclarecida por todas as partes,
no bar há somente um suposto-meretrício, proposto a iludir os excluídos da prática
da autoelitização.
Não se
desespere, Eduardo Dudu, você que é ginecoamante, pois já hei de explicar os
sentidos ocultos de tal “suposto-meretrício”. É que existe no Reino Sub-Imundo,
em profunda surdina, um folheto preciosíssimo e raro chamado “Manual da
Interesseira”, conhecido somente pelas especialistas e jamais confessado por
nenhuma delas, nem mesmo na Casa dos Horrores, maior centro de tortura lisocapilar.
O manual relata diversas ações femininas na sociedade, mas principalmente os
critérios a se seguir para ser uma suposta-meretriz. Eis:
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Manual da
Interesseira (fragmentos):
1. É preciso
fingir não cobrar pelos esportes horizontais tão almejados pelos homens – regra
principal, essa é a melhor maneira de não se deixar confundir com as aposentadas-do-sexo
e manter o estatos indispensável a
uma mulher de classe;
(...)
3. É
fundamental escamotear seu real interesse, o que quer dizer que não se deve de
modo algum deixar clara que sua meta é alcançar e desfrutar do volume bancário
e do modelo do carro do interessado e interessante;
(...)
7. Só se deve
sair com rapazes que ganharam de presente do papai um carro-de-raça ou que ao
menos mentem que o carro-do-pápi lhe foi dado, maneiras essas de se evitar
custos com o terrível transporte coletivo sub-imundo e de se conquistar estatos em meio às rodas sociais das supostas-meretrizes;
8. Uma
suposta-meretriz nunca paga nada. É preciso sair com moços, homens ou velhos
que paguem todas as bebidas e comidas que houver, que pague a gorjeta do
garçom, a bala ou a goma-de-mascar, que pague até mesmo o que as pseudoamigas consumirem
ou precisarem;
(...)
10. É necessário
só sair com rapazes que tenham importância diante da sociedade, já que uma suposta-meretriz
precisa se dar ao respeito alheio, mas nunca ao próprio;
11. É quase
regra evitar o ataque a rapazes inteligentes, a menos que sejam suficientemente
ricos a ponto de compensar tal chatice;
(...)
17. É indiferente
se o macho em questão é bonito, pois quem gosta do belo são os artistas.
Quanto aos
moços que freqüentam o Bar Bafo de Onça, suas orientações não vêm de manual
algum e, em verdade, são bem mais simples e práticas. Em princípio, não devem
trabalhar; se trabalharem, tem que ser para o pápi, pra ganharem muito sem
terem que se esforçar; em último caso, devem trabalhar no alto-escalão do
governo, nos chamados cargos-fantasmas, em que nunca aparecem, mas gozam de
grande fama, e são temidos. Tais moços costumam ser chamados de Vips pelas profissionais
do horizonte, o que significaria em português mal-traduzido “Pessoas-Muito-Importantes”,
mas que eles próprios traduzem de forma diversa, como: “Vagabundos-Interessados-em-Prostitutas”.
À parte de
toda a realidade, enquanto divaga, Greval se descobre empurrado para fora do
bar, e percebe que a essa hora não há ali sequer aquelas prostitutas-da-elite
disfarçadas de nata-da-sociedade da qual falávamos acima. O Bordel dos Ricos
também havia fechado àquela hora.
Página 18
Na próxima semana, será iniciado o CAPÍTULO
II – A MOTIVAÇÃO PRIMEIRA DO RELATO: OS ALISADORES CAPILARES - Parte I – Do fenômeno que dá nome e sentido
ao presente livro; do fenômeno que não dá sentido à vida; o passador-de-chapinha.
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