Gil Vicente
Auto da Barca do Inferno
Possui muitas ressonâncias no Brasil, dentre os quais se destacam as peças didáticas de José de Anchieta (segunda metade do século XVI), Morte e Vida Severina (1956), de João Cabral de Melo Neto, e o Auto da Compadecida (1959), de Ariano Suassuna.
Auto da Barca do Inferno é um auto onde o barqueiro do inferno e o do céu esperam à margem os condenados e os agraciados. Os que morrem chegam e são acusados pelo Diabo e pelo Anjo, ma apenas o Anjo absolve.
O primeiro a chegar é um Fidalgo, a seguida um agiota, um Parvo (bobo), um sapateiro, um frade, uma cafetina, um judeu, um juiz, um promotor, um enforcado e quatro cavaleiros. Um a um eles aproximam-se do Diabo, carregando o que na vida lhes pesou. Perguntam para onde vai a barca; ao saber que vai para o inferno ficam horrorizados e se dizem merecedores do Céu. Aproximam-se então do Anjo que os condena ao inferno por seus pecados.
Fazendo uma análise das personagens, cada uma representa uma classe social, ou uma determinada profissão, ou mesmo um credo. À medida que estas personagens vão surgindo vemos que todas trazem elementos simbólicos, que representam a sua vida terrena e demonstram que não têm qualquer arrependimento dos seus pecados. Os elementos cénicos de cada personagem são:
Fidalgo: manto e pajem que transporta uma cadeira. Estes elementos simbolizam a opressão dos mais fracos, a tirania e a presunção.
Onzeneiro: bolsão. Este elemento simboliza o apego ao dinheiro, a ambição e a ganância.
Sapateiro: avental e moldes. Estes elementos simbolizam a exploração interesseira, da classe burguesa comercial.
Parvo: representa simbolicamente, os menos afortunados de inteligência.
Frade: Moça, espada, escudo e capacete. Estes elementos representam a vida mundana do Clero, e a dissolução dos seus costumes.
Alcoviteira: moças e os cofres. Estes elementos representam a exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro.
Judeu: bode. Este elemento simboliza a rejeição a fé cristã.
Corregedor e Procurador: processos, vara da Justiça e livros. Estes elementos simbolizam a magistratura.
Enforcado: Acredita ter o perdão garantido. Seu julgamento terreno e posterior condenação à morte o teriam redimido de seus pecados, mas é condenado igual aos outros.
Quatro Cavaleiros: cruz de cristo simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.
(todos os elementos cênicos representam os pecados das personagens)
O Fidalgo, o Onzeneiro (agiota), o Sapateiro, o Frade (e sua amante), a Alcoviteira Brísida Vaz (cafetina e bruxa), o judeu, o Corregedor (juiz), o Procurador (promotor) e o enforcado são todos condenados ao inferno por seus pecados, que achavam pouco ou compensados por visitas a Igreja e esmolas. Apenas o Parvo é absolvido pelo Anjo. Os cavaleiros sequer são acusados, pois deram a vida pela Igreja.
O texto do Auto é escrito em versos rimados, fundindo poesia e teatro, fazendo com que o texto, cheio de ironia, trocadilhos, metáforas e ritmo, flua naturalmente. Faz parte da trilogia dos Autos da Barca (do Inferno, do Purgatório, do Céu).
- A intenção maior é criticar, mostrar como a sociedade é baixa, vil, e não tanto converter.
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